Uma oportunidade para trocar de concha

28/10/2017 - Publicado por: Sensei Marcos Tavares

Uma oportunidade para trocar de concha

 

Reencontrar, reconhecer e compreender o budô foi a coisa mais importante na minha vida, desde que comecei a praticar Aikidô, há três anos. Budô é fazer o que tem de ser feito e não aquilo que nos é conveniente. Esse pequeno conceito pode ser traduzido em tantas leituras quanto são as situações em que a gente deixa pra depois, empurra com a barriga, faz de conta que não é conosco, releva. Também se aplica às grandes e pequenas omissões que se multiplicam ao longo de uma vida. Enfim, o budô deixa de ser observado toda vez que a gente passa a mão na própria cabeça numa flagrante indulgência com a própria indolência. É a mais preciosa conquista, mas também a primeira que perco ao deixar de ir a um único treino.

Algum tempo depois, fui a uma palestra do oncologista Dráusio Varela. De todas as coisas que ouvi, uma tirei pra dançar. Aos 74 anos ele é maratonista, corre todos os dias 5 quilômetros. Isso em São Paulo, com aquele ambiente urbano opressor. Ele levanta todos os dias às 5 horas e vai correr. Mesmo no inverno, no horário de verão, na chuva. Não importa o que houve na noite anterior. Ele vai. Ele conta o segredo da persistência: Nunca pergunte ao seu corpo se está disposto a ir. Ele sempre vai responder não. Vai te mostrar uma dor, uma indisposição, que está com sono. Seu corpo arranjará qualquer desculpa para continuar deitado. Se possível, o dia inteiro. Budô é ir contra esse desejo de conforto do corpo.

Outro exemplo interessantíssimo que corre por aí. A lagosta é mole e vive dentro de uma concha rígida que não se expande. Como a lagosta pode crescer? À medida que cresce, sua casca fica muito apertada. A lagosta fica sob pressão. É desconfortável. Então ela vai para baixo das pedras para se proteger de predadores, se liberta da casca e produz uma nova. E de novo quando ela crescer essa casca ficará apertada. Ela então vai refazer o processo. Vai repetir isso várias vezes ao longo da vida. O estímulo para crescer é que ela se sente desconfortável. Se as lagostas tivessem médico, nunca cresceriam, porque assim que se sentissem desconfortáveis, o médico lhe receitaria um remédio e tudo ficaria bem. Ela nunca sairia da concha. Assim, como a lagosta, podemos usar a adversidade para crescer. Isso é budô.

Neste fim de semana teremos em Joinville o segundo Festival de Aikidô e Cultura Japonesa do Instituto Tachibana. Uma oportunidade para sair da casca!


Autor: Joel Gehlen