Aikido e a arte dos encontros e desencontros

31/01/2018 - Publicado por: Sensei Marcos Tavares

Retomar os treinos no Instituto Tachibana de Aikido, nesse ano, foi um reencontro com os diferentes eus que temos em construção dentro da gente. O poeta Vinícius de Moraes diz que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. A prática do Aikido – caminho da harmonia – também aponta essa contraposição. No rol dos encontros, podemos citar as pessoas: a começar pelo Sensei Maruyama e Sensei Marcos, Neusa Sensei e os demais senseis: Márcio, Jonathan, Rochadel, Rocha, Gilberto, Argenton, Rogério, Daniel, Anderson. E também os colegas de jornada, como Rose, Pereira, Rodrigo, Wanderlei e Mahyara, Boing, Vettori, Vavá, Brian, Solange, Arieli, entre outros. São todos protagonistas da arte do encontro, no sentido dessa conjunção que é sempre mais que uma simples soma, mas uma aproximação simbiótica, onde se transmutam afinidades e se harmonizam diferenças, numa espécie de osmose coletiva que sempre tende ao equilíbrio. E isso também se aplica aos companheiros de jornada e tatame Wilka e Kenzo.

O capítulo dos desencontros é mais sutil. Em certo sentido os desencontros funcionam como contradição, desafio, transbordamento, desconforto, trazendo consigo uma carga de frustração e esvaziamento. Ou seja, revolve o terreno para brotarem novas percepções e atitudes. É o princípio da xícara vazia, em que é preciso desencontrar-se de si, esvaziar-se daquilo que estamos cheios, desvencilhar-se do ego, para abrir espaço para o encontro de novos conhecimentos e novas práticas. Nesse quesito poderíamos arrolar igualmente os choques de personalidade e aquelas pessoas que desgostamos. Mas os desafetos também se enquadram no princípio da xícara: são apenas reflexo do excesso de ego que nos atulha.

Em novembro último, o Sensei Maruyama publicou o depoimento do ex-aluno Marcio Marcelli, que conta como as técnicas aprendidas no tatame salvaram sua vida em um acidente de motocicleta. Ele diz: “Minha cabeça bateu no chão e o barulho no capacete foi assustador, então a vida começou a andar em câmera lenta, eu conseguia olhar para as coisas ao redor e elas pareciam ter cores mais vivas e brilhantes. Uma paz incrível tomou conta de mim e uma única coisa passou pela minha cabeça, a energia que seu corpo vai receber é muito superior ao que você pode suportar, apenas relaxe e a natureza cuidará do resto.” Nesse momento, seu corpo ficou totalmente relaxado, desvencilhou-se da moto e começou a rolar a mais de 60 km/h pelo asfalto, até parar. “A cada rolamento sentia o queixo pressionar meu peito e ouvia o capacete raspar no asfalto, sentia o ombro direito amortecer a entrada de cada rolamento, mas não tinha mais medo, rolei por mais de dez metros e quando parei, apesar da dor, conseguia pensar com clareza e ver um brilho emanado de tudo. Sei que a bioquímica do meu corpo acionou todas as vias possíveis para que eu pudesse sobreviver, mas também sei que se não tivesse treinado com o coração um pouco de aikido, eu nada saberia sobre movimentos circulares e a dissipação de energia.”

Seu corpo foi lançado pela lei da inércia. A reação natural de autopreservação nesse momento é antepor rigidez ao impacto. Esse é o ego agindo. Em vez disso, o piloto se desapegou do condicionamento (do ego) pelo confronto, e não foi de encontro, mas ao encontro, do solo, que naquele momento era seu oponente. Assim, dissipou a energia agressiva e se harmonizou. Tudo acabou bem.

Além do corpo físico, o aikido trabalha o aspecto filosófico e emocional. O Sensei Marcos lembra amiúde que é bastante raro o enfrentamento de uma situação agressiva física, e pode sequer ocorrer ao longo de toda uma vida. Mas as confrontações intangíveis se dão muitas vezes a cada dia. E o aikido também nos prepara para lidar com essas situações, evitando o conflito e buscando a dissipação da energia oposta. Basta pensar em nossas reações quando contrariados no trânsito, no trabalho, em casa, por um vizinho ou até conosco mesmos, diante de expectativas frustradas. Cada uma delas pode se tornar uma colisão de forte impacto e grandes perdas (o desencontro), ou podemos “deixar rolar” até que as contrariedades, as arestas, se dissipem, e então agir pela concórdia (a arte do encontro). Em qualquer das situações, quanto mais vazios de ego (espírito de principiante), mais estaremos propensos ao aprendizado e ao crescimento.


Autor: Joel Gehlen